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DÉBORAH PIMENTEL

Discutindo as relações e os conflitos éticos nas áreas da saúde
 
"Trata-se de um grande balcão de negócios, onde, felizmente, nem todos os médicos se comportam desta forma"
 

Déborah Pimentel.JPG

 
Que o problema da saúde no país está sendo uma grande dor de cabeça para governantes e governados, tornando-se uma situação cada dia mais cáotica, isso todo mundo está mais do que cansado e consciente do quanto tem sido sofrido para os pacientes lidar com esse desagradável fato no dia a dia, quer seja buscando uma  rede particular ou privada para receber um atendimento no mínimo decente, atencioso e confiável. 
Com ênfase nessa celeuma, a médica, professora e escritora sergipana Dra. Déborah Pimentel, resolveu esmiuçar toda essa situação, desde a sua base e colocar em pratos mais que limpos e transparentes através de uma publicação pertinente assinada por ela. 
O resultado da experiência viviva no dia a dia no consultório e salas de aula, deu origem ao livro "Relações e Conflitos Éticos na Prática de Médicos e Enfermeiros". Mais real, explícito, polêmico, factual e temporal, impossível!
Publicado   pelo   Conselho   Federal   de   Medicina, a obra traz resultados da pesquisa de doutoramento da autora e trata, a partir da perspectiva dos profissionais médicos e enfermeiros, das relações éticas na prática profissional e identifica os principais conflitos éticos entre os profissionais de saúde e seus pacientes e entre os colegas da área. 
Os dados coletados mostraram o perfil profissional destas duas categorias, as condições de trabalho, os conflitos éticos e a contribuição da formação ética no curso de graduação para o enfrentamento de conflitos. Os sujeitos da pesquisa sugerem o aprimoramento das disciplinas de habilidades de comunicação e humanidades médicas, um melhor preparo dos professores e que o ensino das competências técnicase científicas esteja associado aos aspectos éticos, discutidos em todas as disciplinas da formação acadêmica. Extraiu-se que os profissionais de saúde estão mais preocupados com as doenças do que com os doentes, em prática desumanizada. 
A falta de habilidades de comunicação, aliada ao descaso com as relações interpessoais e interprofissionais, às más condições de trabalho, e aos conflitos de interesse favorecem os conflitos de relacionamento, promovendo erros, denúncias,  desconforto, desprestigio para os profissionais e prejuízos para os pacientes. Os grupos focais revelaram conflitos éticos nas relações interpessoais mais graves do que os apresentados pela literatura, demonstrando grande sofrimento, com relevante angústia moral. Ambas as categorias profissionais apontaram a formação como insuficiente e responsável pelos conflitos, por não priorizar ética e tampouco os princípios básicos da bioética, ou seja, os resultados revelaram que na percepção dos profissionais o ensino da ética não atende às necessidades da prática profissional. 
A professora de Ética Médica na Universidade Federal de Sergipe - UFS -, e Habilidades de Comunicação, na Universidade Tiradentes - Unit -, Dra. Déborah Pimentel, é psicanalista do Circulo Brasileiro de Psicanálise e membro da Academia Sergipana de Medicina. O livro aqui citado, terá lançamento acontecendo em torno de uma noite de autógrafos, nesta quinta-feira, 30 de março, às 19h, tendo como espaço a galeria 'M Depósito de Arte', localizada na Rua José Ramos da Silva, loja 4, no bairro 13 de Julho.
O BACANUDO.COM bateu um papo com a doutora e o resultado pra lá de interessante pode ser conferido abaixo. 
 
 
BACANUDOQuando passou a direcionar o olhar para as questões tratadas nesse livro, sobre as relações do dia a dia de profissionais de saúde junto aos pacientes?
DÉBORAH PIMENTEL - Desde sempre. O tema relação médico-paciente sempre me foi muito caro. Mesmo antes de fazer o curso de Medicina, eu já conseguia perceber nas relações com os meus próprios médicos que se não houvesse um acolhimento adequado por parte deles, uma dose de empatia  e respeito aos detalhes da minha queixa e uma escuta atenta, a confiança, a credibilidade e a adesão ao tratamento ficavam comprometidas. 
 
BACANUDO - Quais os tipos de conflitos éticos mais assustadores, descobertos através do olhar atento e das pesquisas realizadas pela Sra.?
DP - Temos excelentes profissionais que são belas  ilhas e reservas éticas que muito nos orgulham e que são exemplos e inspiração para as novas gerações. Entretanto, infelizmente, existem também aqueles que apresentam inúmeros conflitos de relacionamentos estabelecidos com os seus pacientes e que passam, não raro, por questões pecuniárias: pela diferença de atendimentos, estabelecidas de acordo com a origem do paciente (público, planos de saúde e privado); pela pressa, com consultas cada vez mais curtas para possibilitar um maior número de atendimentos no menor tempo possível; excesso de plantões que se sucedem sistematicamente e que geram abstinência do sono, cansaço, irritabilidade, déficits de memória e concentração, lentificação do pensamento  e redução de coordenação motora comprometendo o ato médico e por conseguinte mais factível à negligência, imprudência e imperícia. Com estas questões e pelo cansaço, os médicos acabam tendo baixa qualidade de vida, as próprias famílias passam a ocupar um segundo plano, estudam pouco e adoecem física e emocionalmente. 
Por outro lado o maior conflito verificado é o de interesses, com a relação promíscua que alguns médicos estabelecem com clínicas, hospitais e com a indústria (farmacêutica, de órteses e próteses), recebendo propinas e benefícios diretos pela indicação de medicamentos, exames laboratoriais e procedimentos cirúrgicos (às vezes desnecessários). Os benefícios vêm sob forma de mesadas, comissões, inscrições em congressos, passagens aéreas nacionais e internacionais com hospedagens, compra de equipamentos e montagem de consultórios. Trata-se de um grande balcão de negócios. Insisto mais uma vez que nem todos os médicos se comportam desta forma. Temos excelentes profissionais no nosso entorno e que honram o juramento hipocrático. 
No livro eu trato também da relação entre médicos e enfermeiros. Uma relação difícil e delicada com muita competitividade e rivalidade. Médicos são vaidosos e algumas vezes arrogantes e o enfermeiro que fica diuturnamente ao lado do paciente no leito acompanhando queixas e sofrimento, exige resolutividade de problemas, criando tensões entre as duas profissões. 
 
BACANUDO - O que está faltando a estes profissionais para uma atuação esmerada e como manda a cartilha do ofício?
DP - Respeito com o sofrimento e responsabilidade com a vida do outro. Médicos só entendem isso na própria pele, quando um ente seu e/ou ele próprio adoecem e precisam de serviços especializados. Nesta hora experimentam do próprio veneno reconhecendo-o no mal atendimento que recebem. 
 
BACANUDO - Essas relações e conflitos éticos chegam a atingir um grau extremo de indecência, irresponsabilidade e antiprofissionalismo?  
DP - Certamente. Mas precisamos também ter sensibilidade para entender o outro lado da moeda. Em outro livro que publiquei resultado também de uma outra pesquisa aqui em Sergipe "O Sonho do Jaleco Branco: saúde mental dos profissionais de saúde", percebi que os indícios de sofrimento psíquico dos nossos médicos era muito grande com altos índices de depressão e ideação suicida e que ainda consumiam álcool e outras drogas sistematicamente, e pior, muitos trabalhavam sob efeito destas substâncias colocando em risco a vida dos seus pacientes. 
 
BACANUDO - Isso tudo tem sido um resultado e uma consequência do sistema hoje predominante no país, ou está faltando mais empenho e uma maior orientação acadêmica por parte das universidades formadoras desses profissionais?
DP - Não tenho dúvida que está no DNA de algumas pessoas a lei da maior valia. Insisto que isso não é regra. Sou professora de "ética médica" na universidade pública e de "habilidades de comunicação entre médicos e pacientes" na universidade privada,  e percebo as novas gerações mais atentas a estas questões e com uma capacidade de crítica e julgamento das atitudes em não conformidades de alguns profissionais. Por outro lado, uma única disciplina com 2h semanais por apenas três meses,  em toda a graduação,  é muito pouco. É nada!!!!! As próprias coordenações destes cursos nao estão comprometidas o bastante e/ ou não valorizam o suficiente o tema ética preferindo estimular apenas o ensino de patologias, síndromes e técnicas de procedimentos, e não despertaram ainda para uma necessidade de garantirmos mais espaço para estas discussões filosóficas e humanizadoras das boas relações sem conflitos éticos.
 
BACANUDO - As relações e os conflitos éticos são mais graves no setor público, particular ou não está havendo diferença em nenhum setor?
DP - Conflitos de relacionamento existem em todos os setores, mas por questões financeiras a atenção de alguns poucos médicos inescrupulosos para com seus pacientes, são maiores nos serviços privados. 
 
BACANUDO - A Sra acredita que esta publicação irá causar muito incômodo, burburinho e polêmicas?
DP - Esta entrevista por si só já é o suficiente para promover mal estar na categoria. Insisto: não podemos generalizar estes resultados estarrecedores, mas eles servem como alerta para uma maior reflexão sobre as condutas médicas.
 
BACANUDO - O que a Sra deseja atingir a partir desta publicação?
DP - a reflexão e a construção de maiores compromissos das universidades com a formação das futuras gerações são os  meus maiores objetivos.  
 
BACANUDO - Este será o primeiro lançamento de uma série de outros temas polêmicos a serem tratados posteriormente?
DP - Tenho trabalhado com os meus alunos em uma série de projetos e pesquisas que serão publicadas em breve. Cada vez mais tenho sido procurada por meus alunos com o desejo de trabalhar os temas ética e bioética. Muitos destes alunos estarão no lançamento do livro. Dediquei este livro para estes jovens pesquisadores atentos às melhores condutas éticas.
 
BACANUDO  - Que recado, Dra. Déborah Pimentel, pode deixar aqui registrado para finalizarmos esta entrevista?
DP - Conflitos éticos desencadeados pelas relações interpessoais não podem ser mais ignorados. É desejável que estes resultados, frutos desta pesquisa, possam ser divulgados e discutidos como uma forma de também devolver o prestígio das práticas dos profissionais de saúde, tornando-as novamente reconhecidas pela nobreza humanitária de suas ações.