Araripe Coutinho (foto: Lúcio Telles)
Lembrar de 'Araripe Coutinho' me faz viajar no tempo e recordar infinitos momentos de variados papos, muitas risadas, discussões fartas sobre os mais diversos assuntos, alguns até apimentados - o que ele tinha predileção -, com direito até a trocas de farpas, porque em muitas situações só ele era o dono da verdade, só ele sabia e exigia que fosse acatado o que ele afirmava, dentro do seu gênio intempestivo e todo próprio de ser, o que gerava também uma certa admiração da personalidade forte que ele mantinha sem a menor chance de pedir permissão para alguma coisa, o que não enxergo como problema algum, desde que saibamos respeitar as individualidades e idiossincrasias de cada um.
Fora isso, existia um lado doce, dedicado, prestativo e debochado, banhado por um senso de humor e crítica inigualável, o que me fazia esquecer até as grosserias e desligamentos de telefones sem a conclusão do papo, quando a vontade sentida era a de entrar pelo aparelho e estrangular a criatura.
Mas, quando menos se esperava, lá estava ele de volta, à procura, falando manso e suave, como se nada houvesse acontecido. E não dava outra, voltava-se tudo ao normal até o próximo coice ou grosseria. Acostumar-se com essas atitudes dele já era de praxe e já faziam parte do embrião que formava e solidificava a amizade. Difícil era sentir raiva dele por um longo período. Logo, logo viria um bom tema a ser a discutido ou uma bela e inspiradora poesia para acalmar os nervos inflados pela ira.
Esse foi o 'Araripe Coutinho' que eu convivi e inclui no núcleo de amigos indispensáveis no dia a dia. Aquele ser birrento como uma criança que quer um brinquedo ou um doce, mas que dentro de algum instante já estava às gargalhadas contando uma façanha, falando de uma nova paquera ou até mesmo criticando algo, alguém ou alguma situação, sem papas na língua presa.
Foi esse mesmo 'Araripe', que amava reuniões em torno da mesa para momentos fartos de comilança, de boa música, de poesia e de conversas jogadas ao vento, que me ensinou a gostar de 'Hilda Hilst', de admirar e entender o lado polêmico, rasteiro, porém inteligente e sagaz de 'Paulo Francis', de ouvir 'Nina Simone'..., de ansiar por um mundo mais justo, vida real, longe das tramas folhetinescas da televisão.
Os anos passam, a saudade cresce e sempre ecoará nos meus ouvidos quando ele se dirigia a mim, nos seus momentos de alegria elevada ao máximo, gritando em alto e bom som: “Estreeeelaaa”.
A estrela na verdade era e sempre foi ele, habitando hoje uma constelação aparentemente longe daqui. Se hoje, 13 de dezembro, ainda estivesse entre nós, sem dúvida alguma iríamos brindar e gargalhar na comemoração dos seus 50 anos, como 'alguém que sempre esteve aqui'.