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Timoteo Domingos

O chef do sertão!
 
"Acredito que podemos mudar o mundo que existe ao nosso redor, expondo o mundo que existe dentro de cada um de nós"
 

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Foto: Carluz Lima


 
Não tem como fugir, o tempo realmente é o senhor do destino! Quem poderia prever antecipadamente que o olhar atento e curioso de um menino de apenas seis anos de idade, observando diariamente a avó manipular alimentos no preparo de pratos e doces triviais da culinária regional sertaneja, fosse resultar futuramente na formação de um exímio profissional de gastronomia?
Piois é, isso se concretizou de forma espontânea, numa prova real de determinação e talento, transformando o hoje chef Timoteo Domingos em uma das maiores referências no quesito culinária em Sergipe, no Nordeste, e por que não afirmar que também no Brasil? E uma coisa é certa, os pratos criados e preparados por ele não saíram de nenhum caderninho ou livro de receitas e nem tão pouco havia sido feito antes por profissional algum de gastronomia. Tudo foi pesquisado, elaborado e criado pelo próprio Timoteo, através do uso dos materiais que sempre teve à disposição nas caatingas e matas do sertão nordestino - onde viveu e se criou -, produtos estes só utilizados antes para a alimentação de animais. 
O que nem se imaginava que viesse a ser usado no feitio alimentar humano, virou pratos e doces saborosos e nutritivos, com direito a repercussão ampla e geral na imprensa, além de inúmeras aparições nos televisivos de maior relevo e audiência no país.   
E foi através do conceito gastronômico batizado por ele de "Gastrotinga", que o garoto nascido no interior de Alagoas, com residência atual no município de Canindé do São Francisco, a pouco mais de 161 km da capital dos sergipanos, Aracaju, tornou-se uma celebridade nacional no segmento dele.
Ao implantar a "Gastrotinga" na alimentação humana, o jovem de apenas 20 anos já coleciona cerca de mil receitas, que já estão vindo em formato de um livro a ser lançado dentro em breve. "O Nordeste é muito rico e temos o dever de mostrar isso ao mundo", revela Timoteo.
Com a brilhante ideia de transformar o bioma caatinga, ou seja, o que antes não servia de alimentos pelas pessoas a exemplo do cactos, fruto do mandacaru, algaroba, mororó e frutos exóticos como o umbu e o ouricuri, entre outros produtos típicos do sertão, ele criou pratos que seduzem primeiro pelo paladar e depois encantam pela criatividade e deixam as pessoas curiosas, quando sabem as verdadeiras origens dos produtos bases utilizados.  
O sucesso das suas criações resultaram também no "Festival Gastrotinga", evento que já vai para a sua 4ª edição e acontece na cidade de Canindé do São Francisco,  no mês de abril - com objetivo puramente socioambiental -, além do restaurante inaugurado pelo hoje denominado "chef do sertão", no início deste ano. 
Hoje, no auge da mocidade, vivenciando plenamente as suas duas décadas de vida, Timoteo Domingos pilota a ONG Gastrotinga, além de fazer parceria com outros jovens daquela região na realização de oficinas e cursos, onde ensina a pessoas interessadas das comunidades sertanejas, tudo o que já aprendeu até aqui e tem colocado em prática com maestria e muita dignidade. 
Através do bate papo abaixo, conheça um pouco do passo a passo dado pelo "chef do sertão", Timoteo Domingos, desde a infância até os dias de hoje. Um puro e autêntico exemplo de determinação e consciência socioambiental. Salve! 
 
 
BACANUDO - Como começou o interesse pela alquimia dos alimentos?
Timoteo Domingos - Meu primeiro contato com a cozinha foi ajudando a minha avó. Acredito que tudo iniciou neste momento, ainda aos seis anos de idade, quando observava ela preparar broas, cocadas, bolos, buchadas... entre outras receitas tradicionais em nossa região. 
 
BACANUDO - A partir de onde sentiu a necessidade de fugir do convencional optando por produtos exóticos e criando o conceito "Gastrotinga"?
TD - Não foi uma necessidade, aconteceu naturalmente. Morava na zona rural e trabalhava na roça desde os cinco anos de idade, portanto o principal serviço que executava diariamente era picar palma para as vacas e as cabras. Daí, sempre me questionava parque não comíamos aquele ingrediente que já plantávamos em abundância. Foi quando decidi provar e pensei: se a vaca come e não morre, eu vou poder comer também. E foi com esse pensamento que comecei a provar esse e outros ingredientes não comuns na alimentação. Não demorou muito e comecei a levar a palma para a cozinha quando estava só em casa. Os primeiros testes não ficaram muito bons, mas persisti e continuei. Logo comecei a pegar a base das receitas de minha avó e mudar os ingredientes, acrescentando a palma, velande, xiquexique, entre outros. 
A primeira receita a dar realmente certo foi um doce de palma com umbu, que consegui o ponto e o sabor desejado após muitos testes. Depois da primeira não parei mais.  Hoje, aos 20 anos de idade já são milhares de receitas usando a base da caatinga e reaproveitando elementos do dia a dia. Reafirmo que não apenas o alimento, mas acima de tudo uma ideologia socioambiental. 
Acredito que podemos mudar o mundo que existe ao nosso redor, expondo o mundo que existe dentro de cada um de nós. Nasci e fui criado num sertão visto de forma pejorativa. Estudei em escolas públicas, vendi cocadas e bolos nas ruas e nos intervalos das aulas, cozinho, e cozinho cactos. Todos esses pontos colocados foram motivos de preconceito, mas o que fez e faz a diferença é a forma como nos colocamos para a sociedade, diante desse tipo de obstáculo.
Acreditar em sua própria capacidade não é fácil, quando você se propõe a fazer o que ninguém nunca teve coragem. O conceito "Gastrotinga" mostra que tudo gira em torno da nossa imaginação e o sonho sempre será a base de sua realidade, se você de fato acredita nele.
 
BACANUDO - Em algum momento chegou a temer diante da não aceitação por ter optado trilhar por uma gastronomia que anda na contramão do que é usado no dia a dia?
TD - Nunca cheguei a temer a aceitação das pessoas. Não quero que todos tenham interesse em comer alimento cactos ou qualquer outro elemento da caatinga, peço apenas que respeitem e compreendam que tudo isso faz parte da nossa cultura alimentar. 
Durante a seca dos anos de 1970, as pessoas comiam por uma necessidade e depois porque perceberam que havia sabor. Hoje a ciência prova que além de saboroso os produtos da caatinga podem ser considerados com uma espécie de bombas nutricionais. 
Afirmo que não tenho pressa com relação a aceitação das pessoas, pois o que irá consolidar esse novo conceito será a seriedade da pesquisa que comprovará aos poucos a riqueza imensurável do nosso bioma. Tudo isso leva tempo. Talvez eu não consiga ver todo esse projeto consolidado ainda em vida, mas o objetivo é que se multiplique, se perpetue e sobretudo mude de fato a realidade de todo o povo que habita a região caatingueira.
 
BACANUDO - Como você inicia o processo criativo de cada experiência gastronômica?
TD - Não existe uma fórmula de criação. Estou lançando meu primeiro livro em breve, e nele cada receita conta sua própria história. A felicidade, o desânimo, o amor, a paixão, até mesmo uma desilusão amorosa pode ser a história por trás da receita que mais gostamos de provar. Não é diferente da criação de uma música. O sentimento é e sempre será um grande incetivo para a criatividade. 
 
BACANUDO - Você gosta de tudo o que faz?
TD - Sim! Amo comer. Acredito que para cozinhar bem precisamos antes de tudo gostar de comer.  Eu amo comer, independente que seja um prato preparado por mim ou por outro cozinheiro. 
 
BACANUDO - Qual ingrediente ou produto não entra na sua cozinha e por quê?
TD - Estou sempre aberto a novas experiências. Mas, prefiro usar sempre os ingredientes locais como forma de valorizar a cultura do meu lugar. 
 
BACANUDO - Se você fosse premiar um chef quem seria, e porquê?
TD - Seria Rivandro França, do restaurante "Cozinhando Escondidinho", na cidade do Recife. É um inspiração não apenas para mim, mas para todos que acreditam na transformação socioambiental através da cultura alimentar. Sua garra, sua história de superação e sobretudo a alegria que carrega consigo no amor pelo que faz, me inspiram.
 
BACANUDO - Aonde pretende chegar com o seu conceito gastronômico e as suas experiências?
TD - Quero que o mundo conheça o bioma caatinga, sua biodiversidade alimentar e o povo que vive nesta região. E que todos conheçam o sertão não apenas como um lugar seco, onde as pessoas passam fome e sede. Quero que vejam o potencial nutritivo dos ingredientes, o sabor e a riqueza imensurável que é o nosso povo.